Contra o relógio biológico
Evolutivamente, as conquistas de condições de igualdade civil e jurídica entre os sexos e a perda do medo da gravidez proporcionaram mudanças importantes nas relações das mulheres, consigo mesmas e em relação ao mundo que as circunscreve.
A pílula anticoncepcional abriu as portas para uma revolução sexual que possibilitou, entre outras conquistas, o ingresso da mulher no mercado de trabalho. Infelizmente, esse avanço trouxe uma série consequência: a luta contra o relógio biológico.
Se já não existem mais limites sociais para que a mulher ocupe o seu espaço no ambiente de trabalho, o tempo permanece implacável para aquelas que buscam não só a realização profissional, mas também poder engravidar e constituir uma família.
Sabe-se que o número de óvulos que a mulher apresenta no início da sua vida reprodutiva é finito e que o passar do tempo representa uma redução tanto da quantidade como da qualidade dos óvulos.
A luta para deter esse efeito do tempo sobre a reprodução feminina não é recente. Desde a década de 80, vários centro do mundo vem tentando desenvolver uma técnica eficaz para congelar os óvulos, não com o objetivo principal de parar o tempo para milhares de mulheres que necessitam ou desejam adiar sua gravidez, mas para armazenar os óvulos produzidos em excesso durante um tratamento de reprodução assistida.
No início da última década, começaram a ser relatados os primeiros ensaios do que logo se tornou uma realidade: o desenvolvimento de uma técnica de criopreservação de óvulos segura e eficaz.
Com o advento da vitrificação dos óvulos, procedimento em que eles são congelados de uma maneira ultrarápida, observou-se a ausência de formação de cristais de gelo e, dessa maneira, ausência de lesão da integridade.
Ainda assim, a técnica vem sendo aperfeiçoada e, hoje em dia, é possível encontrar uma taxa de sobrevivência superior a 90% após o processo de descongelamento, e taxas de gravidezes similares àquelas obtidas com óvulos não congelados.
Recentemente, pesquisadores relataram o nascimento de mais de 900 bebês provenientes de óvulos criopreservados, nos quais não foi evidenciado qualquer tipo de má-formação ou problema congênito, que poderiam ser atribuídos ao emprego da técnica.
Mais que uma estratégia para a preservação da fertilidade em mulheres portadoras de tumores malignos, os bons resultados apresentados atualmente sugerem que a criopreservação dos óvulos constitui a nova fase da emancipação feminina.
Ela permitirá que as mulheres possam estar inseridas na sociedade moderna competitiva, buscando a sua afirmação e realização profissionais, sem, entretanto, comprometer seu futuro reprodutivo, detendo seu relógio biológico, ou, quem sabe, apenas ajustando os ponteiros para uma hora que elas julguem ser mais apropriada para a gestação.
Artigo publicado no Jornal Hoje em Dia – p.14 – Opinião.
Dr. Marco Melo – Médio e sócio da Vilara, Clínica de Reprodução Assistida.